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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Por que os mandantes vencem tanto?

Em recente estudo de mestrado da Faculdade de Educação Física da Unicamp, sobre aplicação de cartões amarelos e vermelhos em equipes mandantes e não mandantes, em partidas de futebol (a pesquisa analisou Campeonatos Brasileiros e Paulistas de 2003 a 2006), a pesquisadora Vanessa Bellissimo mostrou que de 2352 jogos analisados, em apenas 592 deles, os não-mandantes (ou seja, os visitantes) conseguiram vencer. Foram 1191 vitórias dos mandantes e 569 empates.

Isso quer dizer que em média, nesses campeonatos, as equipes “da casa” conquistaram 59% dos pontos disputados em seu território (sendo derrotadas em apenas 25% dos jogos).

Se analisarmos os jogos da equipe do Palmeiras na temporada 2008, notaremos também que independente do mando de jogo ser em seu estádio (“sua casa”) ou em outro campo escolhido para que exerça o mando, o aproveitamento dos pontos é bem superior do que quando comparado aos seus jogos da equipe, como visitante (Fonte: http://www.palmeiras.com.br/futebol/estatisticas.asp - em 29 de setembro de 2008).

Em geral, tende-se a achar no futebol uma explicação simples para uma resposta um tanto quanto complexa para entender que fenômeno faz com que o aproveitamento de mandantes seja tão superior.

Diversos são os fatores intervenientes. Não ter que viajar, conhecer o território de jogo (vestiários, procedimentos, espaços físicos, gramado, dimensões do campo, localização da torcida, do banco de reservas, do treinador, temperatura e umidade local habitual, etc), não ter grandes alterações de rotina, incentivo ou cobrança da torcida, forma de se jogar, arbitragem...

O que vale destacar é que muitos dos fatores intervenientes são treináveis e administráveis. E ainda que não percamos de vista a complexidade desses fatores, proponho uma reflexão tática sobre o assunto.

Em geral vemos comumente, equipes quando jogam em seus domínios, ter alterações significativas em seus modelos de jogo. No sistema defensivo enquanto fora de casa apresenta uma preocupação maior em tentar impedir a progressão do adversário com bola, normalmente a partir da “linha 3”; dentro de casa sobe pelo menos uma linha (linha 2) e ao invés de ter como estratégia dominante impedir a progressão do adversário, opta pela busca a recuperação mais rápida da posse da bola.

No sistema ofensivo, quando se joga em casa busca-se uma alternância entre progressão ao alvo e progressão ao campo adversário associadas quase sempre à tentativas de manutenção da posse da bola. Como não-mandantes, a maioria das equipes abre mão quase que totalmente da manutenção da posse da bola e do grande volume de progressões ao terreno adversário, optando principalmente por progressões esporádicas e rápidas ao alvo.

Nas transições ataque-defesa e defesa-ataque, acabam por ocorrer em grande escala o maior volume de diferenças na organização tática de mandantes e não mandantes. Para os mandantes, estratégias de interrupção da jogada para impedir contra-ataques (transição defensiva) e circulações imediatas da bola para avançar no terreno de jogo (transições ofensivas). Para os não mandantes, rápidas recomposições setoriais (transições defensivas) e rápidas saídas ou para construção de contra-ataques, ou para afastar rapidamente a bola da meta defensiva (transições ofensivas).

Importante destacar que há uma tendência (e isso é diferente de dizer que há uma regra) das equipes mandantes de gerir seu modelo de jogo de forma diferente de quando é visitante. E mais interessante do que isso é que os modelos de visitantes e mandantes acabam sendo construídos para se encaixar, quase como se as regras de ação fossem previamente estabelecidas para a equipe que vai jogar em casa e para a equipe que vai jogar fora de casa.

Então, é como se ao invés de equipe “A” ter um modelo de jogo “X” e a equipe “B” ter um modelo de jogo “Y”, e no jogo, independente do mando, confrontassem seus modelos; tivéssemos de acordo com a lógica do jogo um modelo de jogo a ser seguido por mandantes e um outro por não mandantes, independente de serem equipe “A” ou equipe “B”.

E é aí que talvez se destaquem alguns poucos treinadores que acabam por desenvolver seus modelos de jogo, aplicando-os em jogos de qualquer natureza ou território, adaptando estratégias, plataformas de jogo ou dinâmicas (e não o modelo de jogo!) as circunstâncias que surgem.

Isso significa muitas vezes correr riscos, que aparentemente ao senso comum são maiores, em busca da vitória.

O treinador do Inter de Milão, José Mourinho, por exemplo, discutido, rediscutido e manchete esportiva no mundo todo, ganhou destaque (para aqueles que ainda não o conheciam!) a pouco tempo por completar 100 jogos sem derrotas em campeonatos nacionais jogando em casa como mandante. Disputou 300 pontos e teve aproveitamento de 89%. Uma grande marca.

Pode-se dizer que o treinador português é um dos poucos treinadores que faz valer o seu modelo de jogo (independente de mando!). Não por acaso, seu aproveitamento geral (independente de mando!!) de jogo é um dos mais altos do mundo – é de aproximadamente 74% (em 300 jogos)- e sendo derrotado em apenas 13% dos seus jogos (independente do mando!!!).

Então, considerando toda complexidade de variáveis que estão no jogo de futebol, poderíamos, sem medo de errar, dizer que em grande parte das vezes as equipes visitantes acabam por contribuir, na modelação do seu jogo, para o aumento das chances do seu fracasso, somando o fator “modelo de jogo” a todos outros intervenientes que podem de alguma forma contribuir para a derrota.


Rodrigo Leitão

Preleções – além do senso comum

Se consultarmos em um dicionário a definição da palavra preleção, encontraremos (dentre outras que se aproximam), a de que ela é um tipo de “discurso” ou “conferência didática”.

Certamente muitos de nós, quando escutamos falar em preleção, rapidamente somos remetidos ao pensamento da conversa pré-jogo ou competição, como um complemento ou suplemento final de informações sobre o jogo ou como uma “injeção” motivacional voltada para a partida. Devemos no entanto olhá-la também como possibilidade presente durante as sessões de treinamento (e aí talvez muitos digam que preleção em treino é reunião, e não preleção).

Independente do nome que damos a ela, a preleção é uma ferramenta didática importante que se utilizada antes de um jogo, completa um ciclo de trabalho planejado para a partida. Se utilizada na semana de treinamentos auxilia na composição mais eficaz do trabalho (solucionando dúvidas, problemas e dando significado e mais consistência aos treinos).

Quando se acaba uma partida, o treinador já deveria estar concentrado na próxima, de tal forma que a conversa pós-jogo (que é necessária sim!) seja o marco inicial dos preparativos para o jogo seguinte (ou seja ela deve ser pensada como primeira preleção para o próximo jogo).

Se entendermos a semana de trabalho que prepara para uma partida, como parte de um processo, olhemos a preleção pré-jogo como final dessa “parte”.

Ingenuamente corremos o risco de acreditar que essa preleção pré-jogo representa momento único e exclusivo para sensibilizar jogadores a colocarem suas “vidas” em campo. Daí, atribui-se com certa freqüência, como resposta ao mau desempenho em campo, a ineficiência da preleção em injetar ânimo nos atletas.

A preleção pode e deve sim, colaborar como algo a potencializar o desempenho atlético. Mas assim é também a semana de trabalho. Todo dia, o tempo todo, cada treino deve ser uma oportunidade única dentro do processo para dar significado àquilo que se treina (significado físico-técnico-tático-mental). A motivação para o jogo precisa nascer nos treinos. A motivação para os treinos deve partir da significação dos mesmos.

Dar significado representa transcender barreiras culturais (para não deixar o treinador refém do idioma quando trabalha em outros países por exemplo).

Creio realmente em um conceito de preleção que perspectiva outro paradigma, que não o concebido normalmente.

Façamos uma reflexão:

Nas sessões de treinamento defendo uma estrutura de treino enunciada na obra “Pedagogia do Futebol” do professor João Batista Freire. Nessa estrutura o treino/aula é caracterizado por cinco momentos específicos. Concentremo-nos nos momentos um e cinco dessa estrutura.

O momento um refere-se a conversa inicial do treino (onde resgata-se discussões sobre os conteúdos do processo, temas extra-treino que complementam o treinamento ou a formação do jogador e onde também se discute o que virá na sessão de treino propriamente dita). O momento cinco refere-se a conversa final do treino (onde discute-se o que fora realizado no treino, problemáticas, soluções, buscando consolidar a significação das atividades realizadas).

Cada treino então é uma esfera integrada de atividades que contempla dentre outras coisas, pelo menos duas conversas didáticas (conversa não é monólogo!).

Ao transferir a mesma estrutura (estrutura da sessão de treino) para uma semana competitiva (por exemplo com um jogo no domingo e outro na quinta-feira) abordaríamos a conversa pós-jogo do domingo como oportunidade para preparar a equipe para o jogo da quinta-feira.

Então a conversa pós-jogo do domingo seria a conversa inicial preparativa para o jogo da quinta (ao mesmo tempo em que é conversa final do jogo de domingo).

A preleção pré-jogo da quinta, seria conversa final da semana que começou no domingo ao mesmo tempo em que é conversa inicial do jogo propriamente dito.

A todo momento, se entendermos a preleção como “conferência” ou conversa didática, seja na sessão de treinamento, seja no pré-jogo, seja na semana de trabalho, é primordial que (como ferramenta didática) ela possa atingir a todos os atletas (visuais, auditivos e cinestésicos) e aumentar a eficácia do processo. Para isso treinadores devem estar atentos a todos os recursos que possam potencializar esse momento.

As preleções precisam ser complemento técnico-tático-físico-mental e não simplesmente “motivacional”.

As preleções devem ser entendidas como trechos de um caminho, elementos de um processo;não como algo com fim em si mesmo.


Rodrigo Leitão

A tática, o coletivo e o José Mourinho: uma questão de(o) português!

Nas Teorias do Treinamento Desportivo, um dos princípios mais discutidos e pontuados é o princípio da SOBRECARGA. Ele rege que para o organismo (integral) do atleta continuar se desenvolvendo e fazendo evoluir sua performance, é necessário que haja um “agente estressor” que possa gerar esse desenvolvimento.

Esse “agente estressor” no caso do atleta é o treinamento desportivo. Para conseguir o “estresse” que vai provocar uma REAÇÃO do organismo (para o seu desenvolvimento) é necessária uma carga de magnitude superior aquela que ele está “acostumado”; uma SOBRECARGA.

Pois bem. Uma questão que tem intrigado e rondado a cabeça de Cientistas do Desporto, Treinadores e amantes do Futebol é a que diz respeito a importância do “Coletivo” nos treinamentos de uma equipe de Futebol.

Quando pensamos em “Coletivo” imaginamos um jogo (reservas e titulares, titulares e equipe B, etc e tal) próximo ao jogo competitivo formal, com o objetivo de preparar ou observar uma equipe para uma partida oficial de campeonato. O fato, é que temos hoje treinadores em evidência na mídia defendendo o menor número possível de coletivos; priorizando jogos reduzidos e treinamentos técnico-táticos.

Na “contramão” temos José Mourinho (vitorioso técnico do Chelsea) e um grupo crescente de Estudiosos e Cientistas do Desporto que defendem a idéia de que deve-se treinar o jogo, jogando (só se consegue andar de bicicleta melhor, andando de bicicleta; só se aprende a dançar melhor, dançando; só se consegue jogar melhor, jogando).

Nessa perspectiva, não a nada mais real para criar situações que se assemelhem ao jogo do que o tal “Coletivo”.

Mas e o treino técnico-tático ou os jogos reduzidos?

Temos aí um problema a se resolver. Um corredor treina corridas para melhorar sua performance. Não corre porém sempre na mesma velocidade, na mesma distância. Corre em velocidades próximas aquelas de sua competição, às vezes menores, às vezes maiores; o que é verdadeiro (ou deveria ser) também para as distâncias percorridas. Em outras palavras ele tem no seu treinamento uma alteração de cargas que exigem do seu organismo (integral) respostas que permitem seu desenvolvimento (SOBRECARGA).

Talvez seja fácil pensar em sobrecarga imaginando adaptações físicas. Mas como imaginarmos uma sobrecarga técnico-tática, ou melhor, uma sobrecarga “técnico-tática-fisico-mental”? Como abstrairmos a idéia de um “agente estressor” que provoque respostas integrais e integradas no jogador de Futebol, que o permita se desenvolver, aumentando sua performance de jogo?

Certamente nos jogos em campo reduzido o volume de passes, finalizações, desarmes, coberturas, marcações duplas (e as mais diversas e inusitadas situações-problema de jogo) ocorrem em maior escala. Em outras palavras, no campo reduzido a sobrecarga parece maior. Ao se manipular as regras do jogo nesses treinamentos, é possível ainda priorizar esse ou aquele princípio do jogo, amplificando ainda mais a sobrecarga para determinada variável.

Ocorre porém que, ao mesmo tempo em que se exige mais de determinadas variáveis, corre-se o risco de “desprestigiar” outras. Por isso, a condução de um treinamento com prevalência de um objetivo tático precisa ter regras bem ajustadas, para que ao se buscar de forma específica a sobrecarga do jogo não ocorra um indesejável distanciamento do próprio jogo.

Por outro lado, os coletivos são “exercícios” que se aproximam do jogo e que podem trazer situações-problema altamente especializadas. Talvez a carga do coletivo não seja a SOBRECARGA desejada para o desenvolvimento integral do atleta em sua preparação para o jogo, mas é inegável que ele exige o que mais próximo de um jogo um exercício pode exigir.

No entanto, mesmo o coletivo por si só pode não representar as exigências que proporcionem o desenvolvimento da equipe. Se uma equipe joga no 4-4-2 em linha e no coletivo enfrenta invariavelmente um 4-4-2 em losango, estará ela exercitando situações-problema restritas às possibilidades desse confronto. Então, mesmo no coletivo, deve-se buscar um maior número de situações que permitam a equipe uma melhor compreensão sobre o jogo.

Certamente, se fossem os coletivos a solução para a preparação de uma equipe, talvez melhor fosse buscar algo mais específico ainda: ao invés de treinar para o jogo através do coletivo, dever-se-ia treinar para o jogo jogando sempre formalmente de forma competitiva (por exemplo participando de competições paralelas de menor expressão ou fazendo amistosos contra equipes de nível).

Então, a melhor solução é quebrarmos paradigmas (como tem feito o português José Mourinho). Os jogos em campo reduzido, os jogos adaptados, os treinamentos de ataque contra defesa ou os “Coletivos” devem ser etapas de um processo que se completa jogando o jogo. O coletivo não deve ser entendido como um jogo sem pretensões de melhora tática. É óbvio mas ainda se alardeia que treino tático é uma coisa, treino técnico é outra e coletivo... (Então um coletivo onde há uma regra que diz que a equipe de posse da bola, ao ultrapassar a linha do meio-campo, tenha 4 segundos para ter todos os jogadores (exceto o goleiro) posicionados dessa linha para frente, deixa de ser coletivo porque tem uma regra que taticamente “exige” rápida compactação?).

Da mesma forma, um jogo usando metade do campo, trabalhando ataque contra defesa deixa de ser jogo “coletivo” porque é chamado de treino tático?

Certa vez um técnico do Corinthians viu seu time sofrer um gol do Santos logo após ter um de seus jogadores expulsos. Após o jogo disse que sua equipe sofrera o gol porque não houve tempo hábil para orientá-la para aquela situação (de um jogador a menos em dada posição). Qual a relação disso com o texto acima? Certamente os jogadores, condicionados a tutela do comando técnico não foram capazes de, naquela situação-problema, resolver, a partir de rápida leitura do jogo, àquela nova exigência tática.

Então vos pergunto caros amigos, o que faltou para o rápido re-arranjo tático da equipe; mais “coletivos” ou mais “treinamentos táticos”?


Rodrigo Leitão