Em recente estudo de mestrado da Faculdade de Educação Física da Unicamp, sobre aplicação de cartões amarelos e vermelhos em equipes mandantes e não mandantes, em partidas de futebol (a pesquisa analisou Campeonatos Brasileiros e Paulistas de 2003 a 2006), a pesquisadora Vanessa Bellissimo mostrou que de 2352 jogos analisados, em apenas 592 deles, os não-mandantes (ou seja, os visitantes) conseguiram vencer. Foram 1191 vitórias dos mandantes e 569 empates.
Isso quer dizer que em média, nesses campeonatos, as equipes “da casa” conquistaram 59% dos pontos disputados em seu território (sendo derrotadas em apenas 25% dos jogos).
Se analisarmos os jogos da equipe do Palmeiras na temporada 2008, notaremos também que independente do mando de jogo ser em seu estádio (“sua casa”) ou em outro campo escolhido para que exerça o mando, o aproveitamento dos pontos é bem superior do que quando comparado aos seus jogos da equipe, como visitante (Fonte: http://www.palmeiras.com.br/futebol/estatisticas.asp - em 29 de setembro de 2008).
Em geral, tende-se a achar no futebol uma explicação simples para uma resposta um tanto quanto complexa para entender que fenômeno faz com que o aproveitamento de mandantes seja tão superior.
Diversos são os fatores intervenientes. Não ter que viajar, conhecer o território de jogo (vestiários, procedimentos, espaços físicos, gramado, dimensões do campo, localização da torcida, do banco de reservas, do treinador, temperatura e umidade local habitual, etc), não ter grandes alterações de rotina, incentivo ou cobrança da torcida, forma de se jogar, arbitragem...
O que vale destacar é que muitos dos fatores intervenientes são treináveis e administráveis. E ainda que não percamos de vista a complexidade desses fatores, proponho uma reflexão tática sobre o assunto.
Em geral vemos comumente, equipes quando jogam em seus domínios, ter alterações significativas em seus modelos de jogo. No sistema defensivo enquanto fora de casa apresenta uma preocupação maior em tentar impedir a progressão do adversário com bola, normalmente a partir da “linha 3”; dentro de casa sobe pelo menos uma linha (linha 2) e ao invés de ter como estratégia dominante impedir a progressão do adversário, opta pela busca a recuperação mais rápida da posse da bola.
No sistema ofensivo, quando se joga em casa busca-se uma alternância entre progressão ao alvo e progressão ao campo adversário associadas quase sempre à tentativas de manutenção da posse da bola. Como não-mandantes, a maioria das equipes abre mão quase que totalmente da manutenção da posse da bola e do grande volume de progressões ao terreno adversário, optando principalmente por progressões esporádicas e rápidas ao alvo.
Nas transições ataque-defesa e defesa-ataque, acabam por ocorrer em grande escala o maior volume de diferenças na organização tática de mandantes e não mandantes. Para os mandantes, estratégias de interrupção da jogada para impedir contra-ataques (transição defensiva) e circulações imediatas da bola para avançar no terreno de jogo (transições ofensivas). Para os não mandantes, rápidas recomposições setoriais (transições defensivas) e rápidas saídas ou para construção de contra-ataques, ou para afastar rapidamente a bola da meta defensiva (transições ofensivas).
Importante destacar que há uma tendência (e isso é diferente de dizer que há uma regra) das equipes mandantes de gerir seu modelo de jogo de forma diferente de quando é visitante. E mais interessante do que isso é que os modelos de visitantes e mandantes acabam sendo construídos para se encaixar, quase como se as regras de ação fossem previamente estabelecidas para a equipe que vai jogar em casa e para a equipe que vai jogar fora de casa.
Então, é como se ao invés de equipe “A” ter um modelo de jogo “X” e a equipe “B” ter um modelo de jogo “Y”, e no jogo, independente do mando, confrontassem seus modelos; tivéssemos de acordo com a lógica do jogo um modelo de jogo a ser seguido por mandantes e um outro por não mandantes, independente de serem equipe “A” ou equipe “B”.
E é aí que talvez se destaquem alguns poucos treinadores que acabam por desenvolver seus modelos de jogo, aplicando-os em jogos de qualquer natureza ou território, adaptando estratégias, plataformas de jogo ou dinâmicas (e não o modelo de jogo!) as circunstâncias que surgem.
Isso significa muitas vezes correr riscos, que aparentemente ao senso comum são maiores, em busca da vitória.
O treinador do Inter de Milão, José Mourinho, por exemplo, discutido, rediscutido e manchete esportiva no mundo todo, ganhou destaque (para aqueles que ainda não o conheciam!) a pouco tempo por completar 100 jogos sem derrotas em campeonatos nacionais jogando em casa como mandante. Disputou 300 pontos e teve aproveitamento de 89%. Uma grande marca.
Pode-se dizer que o treinador português é um dos poucos treinadores que faz valer o seu modelo de jogo (independente de mando!). Não por acaso, seu aproveitamento geral (independente de mando!!) de jogo é um dos mais altos do mundo – é de aproximadamente 74% (em 300 jogos)- e sendo derrotado em apenas 13% dos seus jogos (independente do mando!!!).
Então, considerando toda complexidade de variáveis que estão no jogo de futebol, poderíamos, sem medo de errar, dizer que em grande parte das vezes as equipes visitantes acabam por contribuir, na modelação do seu jogo, para o aumento das chances do seu fracasso, somando o fator “modelo de jogo” a todos outros intervenientes que podem de alguma forma contribuir para a derrota.
Rodrigo Leitão